sábado, 26 de setembro de 2009

Quadros Clínicos - Pancreatite Aguda


A Pancreatite Aguda (P.A.) é um processo inflamatório pancreático, de aparecimento súbito(agudo)e  etiologia variada, geralmente acompanhada de importante comprometimento sistêmico. Cessada a causa  desencadeante a  enfermidade poderá evoluir para a regeneração do órgão, com recuperação clínica, anatômica e fisiológica  ou marchar para seqüelas decorrentes da cicatrização do parênquima(pancreatite crônica-PC) ou ainda,  o êxito letal.
 Em 1963 o simpósio de Marselha  classificou as pancreatites em:  aguda; aguda recidivante; crônica e crônica recidivante. No final da década de 80, em Atlanta, este conceito foi revisto,  sendo desclassificada a forma crônica recidivante.  Considerando  a evolução anatomofisiopatológica  das pancreatites, segundo esta ultima classificação,  preferimos substituir o termo recidivante por recorrente. Na pratica clínico-cirúrgica e achados necroscópicos, observamos que  surtos recorrentes de   PA podem acometer os portadores de pancreatite crônica ou mesmo, reinstalarem- se  no transcurso de uma já estabelecida PA. Por outro lado devemos saber  distinguir a dor  da PA e a decorrente da PC. Nesta última,  a dor resulta do comprometimento da inervação simpática e  obstrução canicular(litiase pancreática).  Na verdade a pancreatite é  melhor classificada em aguda ou crônica considerando-se critérios clínicos  ou anatomopatológicos, respectivamente..
 Embora  85% das PAs  tenham  uma evolução benigna  com lesões limitadas, também podem evoluir rapidamente  com gravidade e alta mortalidade. As lesões inflamatórias  da P.A. vão do  edema  até a necrose total  da glândula. Isto é, desde a pancreatite edematosa  ou intersticial,  com ou sem esteatonecrose periglandular, até a pancreatite necro-hemorrágica(PANH).  A distinção clínica, baseada na  gravidade do quadro, entre ambos os extremos inflamatórios da pancreatite aguda(edema e necrose),  pode ser  difícil. Pancreatites edematosas podem evoluir rapidamente para o choque hipovolêmico e óbito,  enquanto que  algumas necro-hemorrágicas transcorrem sem grande comprometimento sistêmico.
 A ativação das proenzimas pancreáticas  que irão desencadear o processo autofágico glandular,  ocorre em resposta a diversas causas. Entretanto a maior incidência etiológica recai sobre  a litíase biliar(pancreatite biliar), seguida pelo alcoolismo crônico e a  hiperlipidemia.   Alguns aspectos analíticos sugerem que  as lesões pancreáticas  associadas ao alcoolismo crônico são apanágio da pancreatite crônica.  Por outro lado, Acosta e Ledesma  e, 1974, demonstraram a presença de cálculos nas fezes  de doentes com com colelitiase e concomitante pancreatite aguda, mesmo quando não era detectada litiase papilar,  durante a cirurgia ou na necrópsia.
 Existe  ainda a possibilidade de obstrução do canal de Wirsung por Ascaris Lumbrigoide e as pancreatites: traumática(trauma direto e CPRE)  e pós- operatórias que apesar de pouco freqüentes têm alta mortalidade. Alertamos que a   amilasemia elevada no pós-operatório pode ser observada em cerca de 32%  das cirurgias abdominais, sem  que haja nehum sintoma ou alteração estrutural da glândula. A obstrução duodenal em alça fechada também pode  causar P.A.. Com o advento da colangiopancreatografia endoscópica(CPRE),   observou-se que este procedimento  freguentemente associa-se com hiperamilasemia. Quando realizada concomitante à papilotomia endoscópica, pode ocorrer grave P.A.. É importante frisar que  somente a obstrução do ducto pancreático principal não é  o bastante necessário para o desencadeamento da PA.  Entre outros fatores relacionados com a P.A., são citados: insuficiência vascular pancreática, porfiria, diabetes  sacarino, gravidez, peçonha de escorpião, parotidite epidêmica, hiperparatireoidismo, hepatites virais, corticosteroides, diuréticos, estrógenos e antibióticos. Cerca de 15% das PA são criptogênicas.
O pâncreas exócrino é formado por células acinares que sintetizam enzimas digestivas que  são “ empacotadas” na forma de pro-enzimas em granulos de zimogênio e transportadas para os ductos centro-acinares.  Estes se unem  formando  ductos maiores que finalmente  deságuam  no ducto principal(Wirsung) e daí, através  da ampola de Vater alcançam o duodeno. A secreção pancreática é estimulada pela secreção de dois hormônios produzidos no duodeno: a SECRETINA, secretada pela presença de ácido no duodeno, estimula a produção de suco pancreático rico em HCO3- a COLECISTOQUINIMA  PANCREOZIMINA - secretada em resposta a presença de ácido-graxos e amino-acidos no duodeno. Estimula a liberação pancreática rica em enzimas, mormente a amilase, lipase e tripsina.
A  fisiopatogenia, de maneira sucinta, expressa-se inicialmente  pelo desencadeamento de mecanismo autodigestivo,  após ativação da pro-enzima tripsinogênio em tripsina. Isto provoca  verdadeira reação em cadeia, transformando outras pro-enzimas em enzimas ativas, altamente citolíticas.: quimiotripsina, elastase, fosfolipases, calicreina e abundante  formação de radicais livres.
O sintoma clássico é a dor em barra mesogástrica, irradiada para o dorso (“em punhalada”) , flancos e ombros,  acompanhada de vômitos e abdome flácido sem sinais de irritação peritoneal (devido à localização retroperitoneal da glândula). Nos casos que  evoluem com a formação  de  flegmão peripancreático ou a forma necro-hemorrágica, geralmente há diminuição dos ruídos hidro-aéreos e distensão abdominal  devido ao íleo paralítico e, possivelmente sinais clínicos de irritação peritoneal.  As formas mais graves podem  apresentar ascite, com característica de “caldo de galinha”e presença de espermacete ou mesmo ascite hemorrágica (PANH). Pode ocorrer contaminação bacteriana, com formação de abscessos intracavitários e peritonite. Excepcionalmente vamos observar os clássicos sinais de Gray Turner  e de Cullen denotando infiltração hemorrágica do retroperitoneo ou a paniculite nodular liquefativa. A febre não costuma estar presente nas formas não complicadas.
 Laboratorialmente devemos pesquisar a amilasemia que, apesar de ser importante dado, não é específico da P.A. e nem  retrata proporcionalmente a gravidade das lesões pancreática. A amilasemia normal não exclui  a PA., mesmo na vigência da forma necro-hemorrágica.  As PAs  que cursam com hipertrigliceridemia, com frequência não apresentam elevação da amilasemia. Na PA,  a amilase pancreática e a lipase iniciam sincronicamente a ascensão plasmática. Contudo a amilase  ascende mais  rápido e tem curta  duração plasmática( meia vida plasmática =02Hs.). Eleva-se exponencialmente nas primeira 12 hs. após o início dos sintomas,  normalizando-se por volta do 5º dia.  A persistência de  níveis plasmáticos   de  amilase acima do normal após 10 dias,  geralmente prognostica a existência de pseudo cisto de pâncreas. A  macro-amilasemia, infarto mesentérico e a perfuração de ulcera péptica, cursam com hiperamilasemia e podem  causar confusão no diagnóstico da PA.  A lipase é mais duradoura no plasma, persistindo após o desaparecimento da amilase. Também pode estar elevada em outras enfermidades abdominais e sua determinação sérica é bem  mais complexa. A tripsina é encontrada apenas no pâncreas(especificidade),  ocorrendo  elevação sérica na PA.  Associada à fosfolipase A2, relaciona-se intimamente com indicadores de prognóstico na PA. Contudo  a utilização laboratorial-clínica destas enzimas(tripisina e fosfolipase A2)  é limitada  pelo alto custo e complexidade do método.   
Alguns consideram a relação depuração urinária da amilase e de creatinina como método laboratorial seguro para o diagnóstico da PA. Outros têm dosado a amilasse pancreática marcada(isoamilases). Consideramos ambos os métodos  trabalhosos, caros e  de utilidade limitada na prática clínica diária. O cálcio sérico abaixo de 8mg/dl, segundo Ranson, é indicativo de mau prognóstico.
No Serviço de Cirurgia de Urgência & do Trauma  da FCM/PUCAMP(SCUT), no protocolo da PA  realizamos a   dosagem da proteína C reativa( PCR), que apesar de não ser específica desta doença , sua elevação  é sinal inconteste de prognóstico reservado.  Muitos outros serviços adotam este critério em substituição aos  critérios de Ranson,  o qual estabelece  11 parâmetros: a) na admissão - idade> 55 anos, leucocitose > 16000mm3, glicemia> 200mg/dl, LDH > 350IU/L, TGO > 250 sigma FranKel U/dl;  b) nas primeiras 48 Hs.  -  queda do Ht > 10%, Nitrogênio ureico do sangue > 5mg/dl,  calcemia < 8mg/dl,PaO2 <60mmHg, BE < 4 mEq/l, seguestro hídrico estimado > 6000ml.  Os pacientes com menos de tres sinais têm bom prognóstico. Os  que exibem mais de tres sinais, evoluem com maiores complicações e  risco de morte.
O hemograma geralmente exibe leucocitose. O Ht. inicialmente pode estar elevado refletindo a hemoconcentração provocada pelo sequestro para o  3º espaço.  A hiperglicemia é frequente, possivelmente pelo aumento do glucagon e  hipoinsulinemia.  Em pacientes com dor abdominal,  achados laboratoriais  inespecíficos, tais como:  Ht elevado, hipocalcemia, hiperglicemia e hiperlipidemia, devem nos fazer suspeitar  da PA.  A  metalbuminemia, resultante da destruição extravascular da hemoglobina, é um achado laboratorial  que indica  a existência de PANH.  Nos pacientes : alcóolatras, ictéricos, hepatopatas e os que tem história de litíase biliar, devemos pesquisar os índices de bilirrubinas,  fosfatase alcalina, Gama GT, TGO,TGP, TPAP e albuminemia. 
O estudo radiológico simples do torax e abdome, poderá demonstrar sinais não específicos como:derrames pleurais, BCP, pulmão de choque;   distensão: gástrica, alças de delgado e cólons caracterizando o íleo; a  evidência da clássica “alça em sentinela”; o abaixamento da moldura do cólon transverso e ou desvio da “bolha gástrica”(no caso de pseudocisto); amputação radiográfica do cólon; o apagamento da sombra do pessoa e da gordura periperitoneal por infiltração do retroperitôneo ou ascite;  calcificações no HCD sugerindo colelitiase ou mesmo  de localização mesogástrica devido a possível calcificacões no grande omento e no canal pancreático;  gás peripancreático extraluminal(bolhas de sabão) presente no abscesso pancreático;  ar livre em cavidade por perfuração de víscera ôca(ação lítica enzimática principalmente no cólon transverso);  impressões digitais”nas alças de delgado produzidas por isquemia mesentérica(por trombose).  A ultrassonografia pode restar prejudicada na avaliação das vias biliares e do pâncreas devido a interposição aérea dos cólons, alças e câmara gástrica.
 Sem dúvidas, o melhor método de imagens  de grande valor prognóstico e de orientação na contuda, é a TC. Esta técnica de imagem  diagnostica 100% dos casos de pancreatite e há muito se estabeleceu como “padrão ouro”.   Baltazar e  Ranson idealizaram  uma classificação  que vai de 1 a 5 e  é largamente utilizada na avaliação da PA quanto ao prognóstico e à indicação operatória.  O  grau I(Baltazar I) seria  a elevação das enzimas sem correspondente alteração morfológica( forma e volume) da glândula. O  “B II”é representado pelo aumento de volume(edema) mantendo -se o contorno anatômico  pancreático; “B III” - edema  associado à uma coleção peripancreática(esteato necrose peripancreática); “B IV” - edema, contôrno glandular irregular em algumas áreas e mais de uma coleção peri- pancreática; “BV”- pancreas com  contornos imprecisos, destruição de parênquima, flegmão(coleção)  peri-pancreático difuso( P.A. necro-hemorrágica).                                                                      
A  laparoscopia,  em  casos  selecionados, tem inconteste utilidade. O ECG deve ser realizado, mesmo em pacientes jovens, em virtude da comprovada liberação do fator  depressor específico do miocárdio e pepitídios vasoativos,  nas formas graves da PA.
Após os exames laboratoriais  dirigidos para a pesquisa do dano pancreático, outras avaliações paralelas devem ser empreendidas: Hemograma, glicemia, eletrólitos, gasometria arterial, dosagem de bilirrubinas séricas, transacionasses,  fosfatase alcalina, proteinograma,  ureia, creatinina e urina I.
insuficiência renal na PA é uma intercorrência frequente não só pelo grande seguestro para 3º espaço mas também por lesões  diretas dos vasos e nefrons  pela ação de enzimas proteolíticas e depósito de material necrótico. Sabemos ainda que alterações  da crase sanguinea  com plaquetopenia e Hb baixa  são frequentemente encontradas, quer  pelo consumo de fatores de coagulação devido às coleções retroperitoneais, ou pela hemorragia digestiva alta(HDA) que  acomete cerca de 10% dos pacientes com PA, ainda mais quando têm distúrbios da função hepática, dificultando o metabolismo da histamina .
                        Preconizamos  para o tratamento da PA as seguintes medidas:

A) CONSERVADORAS:
-jejum absoluto
-SNG: na presença de íleo, vômitos ou HDA.
-Monitorização dos sinais vitais, PVC e volume urinário
-Analgesia - devem ser evitados os anticolinérgicos, principalmente os derivados opiáceos. Pode ser usada a novocaina , analgésico-antinflamatórios não hormonais e a meperidina em casos selecionados.    A  anestesia condutiva peridural contínua é uma boa opção.
-Bloqueador H2 ou da bomba de prótons. Não utilizar cimetidina em ictéricos(metabolização hepática).
-Hidratação generosa e atenta através venóclise perférica com abocath nº 14 ou 16(bilateral na vigência de choque) ou dissecção de veia do membro superior.
-Rigorosa reposição eletrolítica
-Adequada oferta calórica através a administração de glicose parenteral. Fazer control


Antibióticos - somente nos casos PANH e intercorrências infecciosas. Neste caso, na maioria das vezes, optamos pelo uso de cefalosporina de 3º geração associada ou não ao clorofenicol ou metronidazol. Outros esquemas são utilizados para casos selecionados.
- Somastostatina - quando da existência de fístula pancreática de alto débito resultante de  PA traumática ou pós-operatória.
-Glucagon - não foi comprovado seu real efeito terapeutico.(não utilizamos)
-Aprotinina(Trasilol)- largamente usado no passado. Estudos atuais não comprovam qualquer benefício. Parece que sua ação limita-se ao bloqueio das cininas, diminuindo a dor na fase aguda.Não a utilizamos.
- Apoio ventilatório mecânico(BCP, Pulmão de Choque,etc.)
-Hemodialise - (  na vigência de insuf. renal-necrose tubular aguda).
-NPP em casos selecionado( suporte proteico-calórico).

 B) CIRÚRGICA:

-PSEUDOCISTO-  os de pequeno volume  e não complicados recebem tratamento conservador, devendo involuir em média, em  24 semanas. Os volumosos, desde que não complicados por :sangramento, contaminação, expansão rápida e rotura, serão drenados por derivação interna em cistojejunostomia em alça exclusa de Y de Roux após 6 semanas.  Os complicados, devem receber drenagem externa através minilaparotomia e, nos casos selecionados,  punção com colocação de cateter(dreno) sob orientação ultrassonográfica.

-FLEIMÃO- tratamento expectante. Costuma regredir em 15 dias.

-ABSCESSO PANCREÁTICO - entendemos como abscesso pancreático a necrose pancreática ou peri-pancreática infectada ( Baltazar III, IV & V). Esta condição pode necessitar de urgente laparotomia com sequestrectomia e generosa lavagem peritoneal e proteção de colon. Poderá ser mantida uma laparostomia com  drenagem  ampla da retrocavidade dos epíploons e sobreposição de compressas úmidas ou colocação de tela de marlex. Outra tática, defendida por alguns, é manter lavagem peritoneal contínua. Somos defensores da primeira opção.

-FÍSTULAS DE DELGADO E CÓLON- quando orientadas podem ser tratadas por métodos expectantes, a não ser quando sobrevem hemorragia ou sepse.

-Registro do Trauma Score - Apache II- valor prognóstico.

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